Desta maneira, à variedade de línguas indígenas, que Vieira denominou babel, agregou-se a babel das línguas africanas. Diante desta multidão de línguas indígenas e africanas, o português, para impor-se, usou os mais variados recursos. Uma das primeiras medidas foi determinar que os índios fossem instruídos em língua portuguesa. Mas os jesuítas, por conhecerem o tupi (reduzida por eles à língua geral) melhor que os representantes de outras ordens religiosas e melhor também que os colonos recém-chegados, mantiveram a barreira língüística como forma de manter seu domínio sobre os índios. Começa desta forma um período antijesuíta, que teve sérias conseqüências.
Um marco na imposição do Português como língua dominante no Brasil é a Lei do Diretório, promulgada pelo Marquês de Pombal, em maio de 1757, durante o governo de D. João VI. Tinha como um dos principais objetivos impôr a língua portuguesa como língua oficial na região que abrangia os estados de Pará e Maranhão, que soma um terço do atual território brasileiro. Um dos artigos desse diretório criticava duramente a língua geral, chamando-a de “invenção verdadeiramente abominável e diabólica”; para acabar com ela, tratou de estabelecer o uso da língua portuguesa, não consentindo que “meninos e meninas e todos aqueles índios, que forem capazes de instrução (…) usem língua própria das suas nações, ou da chamada geral, mas unicamente da portuguesa”. ( Artigo 6 do Diretório).
Em agosto de 1759, um Alvará renovava a lei do Diretório, datando daí o uso obrigatório da língua portuguesa, com todo o seu poder unificador, e, em conseqüência, o abandono progressivo da língua geral, que, na verdade, já se encontrava restrita, sobretudo em São Paulo, às comunidades rurais do interior.
Apesar das objeções a essa imposição, quando o Diretório foi abolido, em 1798, a língua portuguesa já tinha se expandido e sido adotada nas regiões tipicamente tupi do Brasil, ainda que muitos indivíduos tivessem dificuldade em usá-la.
Resumindo a questão da “vitória” da língua portuguesa no Brasil colonial, pode-se dizer que, durante três séculos, o português e o tupi, ou língua geral, existiram lado a lado, influenciando-se reciprocamente e cruzando-se. O tupi era a língua doméstica, familiar e corrente dos colonos, e o português, a língua oficial, que as crianças, mamelucos e também filhos de índios aprendiam nas escolas mas não falavam em casa. A realidade lingüística era muito complexa, porque, com o português, conviviam as várias línguas indígenas e as várias línguas faladas pelos negros no Brasil.
O processo cultural que impôs uma língua vitoriosa sobre as outras não foi fácil, nem sempre pacífico. Mas aprender a língua portuguesa se tornou quase uma questão de sobrevivência. Alguns africanos, por exemplo, aprendiam rápido, outros sofriam verdadeiros processos de adestramento, mas todos, índios e negros, tinham que aprendê-la. A variedade de tribos indígenas e africanas facilitou a obra portuguesa, que, como foi dito, preferiu, por medida de segurança, importar grupos dialetais diferentes, que não se entendiam e deviam se esforçar para buscar na fala portuguesa o meio de comunicar suas necessidades pessoais e sociais.
A guerra contra os índios e os negros, subjugando-os todos, era também uma guerra lingüística e cultural, que resultava num desentendimento total, numa fragmentação de culturas e línguas. Acrescente-se a isto o fato de que o português do Brasil e o de Portugal já se apresentavam em formas desiguais.
A “vitória” real e verdadeira se deu quando, na Assembléia Constituinte de 1823, representantes de várias províncias brasileiras falaram uns com os outros, notando as diferenças de prosódia, mas a igualdade da língua que era falada por todos. Era a primeira vez que brasileiros falavam sua própria língua, a qual se formara competindo com línguas indígenas e negras, e na qual se notavam variações provenientes dos diferentes grupos do português falado em regiões diversas. A “vitória” do português dependeu mais de fatores históricos que lingüísticos.